domingo, 11 de agosto de 2013

Sim, eu tenho pai, o original Jairo Sanguiné


O menino de 8 anos foi dormir e, ao acordar, sua referência de vida tinha partido para um estranho lugar onde todos vão depois de cumprir  seu tempo aqui nesse mundo.  O pai do menino, do nada, fora chamado por alguém responsável por apontar o término de nossas funções por aqui e o levou embora para sempre.  

O menino não entendeu direito, afinal, num dia seu pai o carregava nas costas, feliz, e no outro simplesmente estava...como diziam mesmo? “com o papai do céu”. Nada convence um menino de oito anos de  que seu pai não o carregará mais nas costas e que não mais brincarão juntos com o caminhão azul ou trocarão passes com a bola nova ganha no natal.

Mas o menino cresceu e  hoje é pai também  e tenta  ver como seria sua vida se tivesse um pai por um pouquinho mais de tempo.  Como seria se ele tivesse acompanhado o crescimento do menino?  O ex-menino para, pensa e conclui que, na verdade, não há motivos para fazer esse tipo de exercício de imaginação, porque o pai do menino viveu seu tempo como tinha que ser e deixou a lembrança viva de tudo que puderam viver juntos, mesmo por um tempo aparentemente tão curtinho.

O tempo físico, na verdade, é definido arbitrariamente, marcado pelos ponteiros dos relógios que não param nunca, mas o meu tempo é sempre o segundo seguinte. O tempo do meu pai foi o tempo dele, viveu cada segundo e, desde então, sempre esteve presente em mim, numa convivência explêndida que independe de qualquer contato físico.

Hoje é o menino do caminhão azul que dá o presente àquele que por aqui passou e deixou um rastro mais azul que o azul do caminhão. E o rastro dele está aqui, na forma de um menino e uma menina já crescidos e que ainda podem conviver com um pai físico e que faz de tudo para te-los sempre perto, seja carregando nas costas ou brincando com caminhões azuis.


Por fim, sei que hoje e sempre, de onde estiver, ele continuará a encher o caminhão azul da minha vida com o que todos chamam de felicidade. 

Sem palavras pelos oito anos de convivência, seu Jairo Sanguiné original, o único.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Silêncio ruminante


















Sabe o boi ruminando? A coisa fica ali, de lá pra cá na boca do bicho por horas e horas e...nada. Segue ali, regurgitando e regurgitando. 

Digo isso porque o ato de escrever, para este blogueiro que não bloga, é mais ou menos como esse processo regurgitante e ruminante do boi. O resultado é um blog seco, em que o pasto passou direto pelos compartimentos estomacais bovino e virou esterco, queimando as etapas biológicas. Se bem que o esterco transforma-se em adubo que... enfim.

Acredito definitivamente que o ato de escrever, às vezes, é uma imposição do cérebro aos dedos para que estes dedilhem freneticamente sem parar no alfanumérico teclado para que surjam palavras, umas ligadas às outras, formando frases conexas, ou não.  Já escrevi sobre isso aqui um milhão de vezes, e lendo Visões de Cody, do Kerouac, comprovo minha teoria dedilhante. Dedos no teclado do computador ou nas cordas de guitarra num riff alucinante, é assim que o lendário escritor beat underground produzia suas palavras, desconexas para uns, geniais para outros. É como aquele filme tido como obra prima pelos entendidos mas considerado o próprio esterco do boi por muitos.

Aliás, esse texto está mais pro esterco do boi do que pra qualquer coisa. Mas não desanimo, pois como disse ali no final do primeiro parágrafo, o esterco vai virar adubo para um outro texto que já rumina neste cérebro inquieto.

Sei que já virou clichê citar Clarice na internet, mas ela dizia que toda palavra tem sua sombra e por isso escrevia no escuro: “ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa... capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Leia, a energia que está no meu silêncio”.


A linguagem sufoca o silêncio, portanto. Talvez por isso esse blog tem ficado tanto em silêncio, exatamente para não ser sufocado. Pronto, bloguei...regurgitei. Sinto cheiro de esterco no ar.


sexta-feira, 21 de junho de 2013


Um estranho na passeata

Usei camiseta pelas diretas, fui contra a eleição do Trancredo no Colégio Eleitoral da ditadura,  gritei   Xô Sarney, Fora Collor, carreguei vela pela nomeação do dr. Gigante para reitor da UFPel, parei  ônibus em greve geral, distribuí panfletos em madrugadas frias nas portas de fábricas, li Lênin, Trotsky, Marx, Gramsci.  Empunhei bandeiras  em todas candidaturas do Lula. E chorei quando os dólares apareceram numa cueca suja,  derrubando a estrela das alturas. A mesma estrela que ajudei a colocar no céu.

Ontem,  caminhando naquela passeata gigante,  tudo aquilo voltou. Lembrei de cada panfleto, de cada cartaz colado em muros com cola de farinha e água, de cada palavra-de-ordem rimada e gritada com a alma ... Mas ontem, enquanto caminhada  no meio da multidão,  eu olhava  para   os cartazes tentando  buscar alguma conexão com minha distante militância e... nada. Não havia o que relacionar, pois em passeatas de outros tempos havia um norte. Havia,  naqueles atos, rostos e mãos calejadas, operários, representes de todos grupos de “explorados pelo sistema”. Havia representantes partidários sim, pois vivemos numa democracia representativa que precisa de partidos . O contrário disso ou  é ditadura ou o utópico anarquismo (sociedade sem Estado, que fique claro).  Havia os líderes sindicais, os movimentos sociais organizados. Onde foram parar todos? Parece que foram previamente expulsos da manifestação “popular”.

Se i la, ontem eu olhava para os lados  e via rostos limpos e bonitos, roupas de marca e apenas alguns remanescentes da antiga militância.  Não havia bandeiras de partidos, não tinha liderança, palanque, camisetas politizadas...sequer megafone havia! Apenas cartazes,  alguns engraçados, outros com reivindicações soltas. Não havia palavra de ordem.

Achei bonita a passeata. Bonita e necessária, mas muito estranha.  Ok, o mundo mudou e talvez o jurássico aqui não tenha se dado conta de que militância também precisou romper o século, modernizar-se e acessar o Facebook. Enfim, ainda vou entender todo esse processo e descobrir  qual  meu lugar nesse mundo conectado.  A luta continua!

terça-feira, 30 de abril de 2013

Escrevo. E pronto.


O Leminksi é o cara pras horas nenhuma, aquela hora do nada. É como Beatles: não sabe o que ouvir, toca Beatles que não dá erro. Não sabe o que ler? Abre um Leminski em qualquer página e o efeito é o mesmo. O bandido, na verdade, sabia muito mais do que latim. Sabia das coisas, escondido naquele indefectível bigodão. 
Embriague-se e leia Leminski e tudo estará resolvido. Embriague-se das palavras concretas do bandido. “Saio da embriaguez de viver para o sonho de outras esferas”, escreveu ele pouco antes do último sopro de vida. Não tinha pressa pra nada, nem pra fazer um poema. Portanto, também não tenho pressa, apresso-me apenas para me embriagar das palavras, como ele, que escrevia e pronto. 


Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Hoje bebi Leminski até me embriagar. Estou engasgado com seus poemas e por isso preciso de um café forte que me conforte, que me deixe forte para que, com sorte, encontre não a morte, mas a sorte. A sorte de uma palavra descoberta numa página qualquer de uma noite qualquer sem nenhuma palavra. Sem palavra como esse blog que vos fala, pois já estou tonto como o Bandido. E estou pronto, porque escrevi. Escrevo. E pronto. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Luar e outras luas

Hoje a noite foi de vinho chileno, Odair José, Chico + Elza e Dylan. Não necessariamente nesta ordem, mas numa desordem que ordenou a cabeça agitada do dia burocrático. Algo como o poema do Poe, um corvo:

"Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais."

Uma noite em casa, sem visita, só com o som, tem seu valor. E assim foi a sexta tão esperada, que já virou sábado, que logo vai virar domingo e que..enfim, virá. Dirá a lua maravilhosa, que também já está se esvaindo como o chileno na taça, como o Bob na vitrola velha e sua agulha gasta. Noite solo, com um banquinho e um vinho. Tudo de bom pra mim e meus botões, que há muito reclamavam atenção, assim como esse mofado blog, coitado, que só me vê de quando em muito.

Então tá. Secou a taça, o vinil chegou na última faixa e a lua se foi, entao, me vou também.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Num canto qualquer da vida



Num canto qualquer da vida, esconde-se a alma a ser decifrada. Esconde-se a alma a ser lida, transcrita em atos, tatos e contatos. Num canto qualquer da vida, está o encontro das almas ainda a serem decifradas. Num canto qualquer da vida, a lua brilha em atmosfera fosfórica como dizia o poeta frances.  

Num canto qualquer da lua, encontra-se a vida  que pulsa em ritmo alucinante. Num canto qualquer da vida, a palavra aguarda para ser descoberta e inventada em frases complexas que traduzem o encontro improvável da vida que pulsa com a vida que desabrocha.

Drummond dizia que não se deve brigar com a palavra. Tinha razão o poeta, pois  a palavra traduz a vida . A palavra é atraída pela palavra, estando elas ou não em frases conexas. A conexão com a vida está na palavra que se juntou a outra e mais outra e virou poema num canto qualquer da vida. 

Num canto qualquer do poema está a palavra dita e a não dita. Num canto qualquer da vida está a própria vida ensolarada depois da lua que caiu. Num canto qualquer da vida estou eu, a me decifrar sob a força das palavras.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Absurdo da vida


"Também eu me sinto pronto a reviver tudo, como se esta grande cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo por senti-lo tão parecido comigo, tão fraternal, enfim, senti que fora feliz e ainda o era, para que tudo se consumasse. Para que eu me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução – e que me recebessem com gritos de ódio".

A frase aí do Camus traduz um pouco essa coisa de viver, reviver, renascer, reinventar. Eita tarefa difícil, mas necessária. Afinal, vivos estamos e o sol brilha como nunca lá fora e há que se permitir invadir pelo sol, que deixará marcas a serem descobertas no íntimo toque, como sinal da vida que renasce.

Então, que venham os espectadores do Camus a assitirem a execução com seus gritos de ódio. De preferência, palavras gritadas. Ou apenas palavras.  Ao vento, talvez. Mas o vento é fraco, então as palavras tendem a cair logo ali, pertinho. Usem-nas como quiserem. Ou deixem-nas ali, bem quietinhas, a espera da ventania de verão. É o absurdo da  vida a ser descoberto.

Mais Camus: "Constatar o absurdo da vida não pode ser um fim, mas apenas um começo...".